– 4.1 A consciência fonológica

– 4.1 A consciência fonológica

4.1 A consciência fonológica, isto é, a capacidade de analisar a fala em unidades fonológicas e representar e manipular essas unidades

Como ressaltamos na Seção 1, a consciência fonológica fraca e, em particular, a debilidade em ser capaz de representar as menores unidades que sustentam a cadeia da fala, a “classe de sons” (fonemas), são consideradas como o déficit central de muitas crianças com dislexia. Esta debilidade as impede de estabelecer a base para aprender a ler.

O desenvolvimento de decodificação, tanto para a leitura quanto para a escrita, implica a capacidade de:

  • i) segmentar as palavras faladas ou escritas em suas menores unidades possíveis – os “fonemas” ou os “grafemas”;
  • ii) recodificar essas unidades em um formato correspondente a outra modalidade; sensorial (da “escrita” para a “fala” quando se trata da leitura, e da “fala” para a “escrita” quando se trata da escrita);
  • iii) sintetizar essas pequenas unidades, a fim de pronunciar ou grafar a palavra corretamente.

Qualquer uma dessas habilidades, ou várias, podem estar mais afetadas em crianças com dislexia.

Usando testes para examinar a consciência fonológica, você será capaz de determinar se a criança tem dificuldades para segmentar as palavras faladas em pequenas unidades de som e/ou para manipular e sintetizar estas unidades, a fim de produzir a resposta alvo.

Para você entender o que vem a seguir, rima, nesse contexto significa a parte da sílaba que começa na vogal, como ar  em mar e onset é o início ou ataque da sílaba, como m em mar.

Você também será capaz de determinar se a criança tem dificuldades específicas com uma ou várias das principais unidades fonológicas (sílabas, o início ou ataque da rima, ou “sons”), que são importantes para que ela seja capaz de desenvolver habilidades de leitura e de escrita.

  • A consciência de sílabas é importante para a leitura de palavras maiores porque estas têm que ser segmentadas em sílabas, a fim de serem lidas com rapidez e precisão.
  • A consciência do contraste entre início ou ataque/rima das sílabas é importante para a leitura ou a ortografia de palavras como “xá”, “chá”, para as quais a segmentação das letras não levaria à pronúncia correta, porque o íncio, embora seja representado por letras diferentes, é o mesmo.
  • A consciência fonêmica é de suma importância para o desenvolvimento do sistema de decodificação, ou seja, para a criança ser capaz de mapear cada grafema (uma ou duas letras) à sua contrapartida correspondente (o fonema), a fim de ler ou ortografar palavras regulares.

Há muitas maneiras de avaliar a consciência fonológica. De modo geral, à medida que as unidades de som testadas tornam-se menores – desde a sílaba até o som que contrasta o início ou ataque com a rima – mais difícil se torna a tarefa.

Para ver se a criança está consciente das diferentes unidades fonológicas, cada atividade geralmente consiste em entre 10 a 20 itens.

As tarefas usadas para examinar a consciência fonológica variam em termos de demanda cognitiva. À medida que a tarefa se torna mais complexa, a partir de comparação até a detecção, segmentação e manipulação, o nível de abstração das unidades fonológicas a serem processadas torna-se maior.

É sempre melhor começar com tarefas simples e palavras curtas e depois progredir para tarefas mais complexas e palavras mais longas, em vez de apresentar uma tarefa muito difícil de saída.

Ao trabalhar com “sons”, o professor deve sempre ter a certeza de pronunciar fonemas simples e certificar-se de que o aluno seja capaz de fazer o mesmo. Acima de tudo, as consoantes devem ser ditas isoladas e não seguidas por uma vogal, embora, no caso das oclusivas /p/ /b/ /t/ /d/ /k/ /g/, sempre dependam de um apoio vocálico quase imperceptível, denominado chuá.

Por exemplo, o som que corresponde à letra <t> é [t] e só pode ser produzido com apoio do mencionado chuá: não deve ser pronunciado como o nome da letra “tê”; o som que corresponde a <s> é [sss] e não deve ser pronunciado como o nome da letra “esse”.

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ATIVIDADE 7

Por que você acha que é tão importante pronunciar  “sons” isolados ou fonemas e pedir que a criança os repita?

Discutir este assunto com o seu parceiro de curso e, em seguida, comparar a sua resposta à nossa. 

 

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4.1.1 Geração

Nesta atividade a criança é convidada a gerar palavras que contenham a mesma unidade fonológica que a unidade alvo.

Exemplo: sílaba

  • “Você pode me dar uma palavra que comece com [pi], como em [pi loto]?”
  • Resposta: por exemplo [pi rata] ou [pi jama]

 

ATIVIDADE 8

Com o seu parceiro de curso, pensar em alguns exemplos, a fim de testar a capacidade da criança para gerar palavras com uma rima, início ou ataque, ou fonema semelhantes. Tomar cuidado para distinguir as diferentes unidades. Em seguida, compare as suas sugestões com as nossas. 

 

 

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4.1.2 Detecção

Isso é mais difícil do que a geração, porque também requer a intervenção da memória de trabalho auditiva. Nesta tarefa, você diz três palavras e pede à criança que escolha a que escolha a palavra discrepante/diferente. A fim de ser capaz de fazer isso, a criança deve manter as três palavras na memória de trabalho, a fim de compará-las.

Exemplo 1: sílaba

  • “Que palavra não começa da mesma maneira que as outras duas: [ mar ka] à “marca”, [ mar su] à”março”, [vi la] “vila”?”
  • Resposta: [vila] “vila”.

É importante fornecer palavras em que as primeiras sílabas compartilhem a mesma estrutura (consoante-vogal ou consoante-vogal-consoante). Por exemplo, a primeira sílaba de [vila] tem uma estrutura consoante-vogal [vi la], enquanto a primeira sílaba de [marka] “marca” tem uma estrutura consoante-vogal-consoante [mar ka].

Exemplo 2: Rima

  • “Que palavra não termina da mesma forma que as outras duas: [mar], [par], [pas]?”
  • Resposta: [pas]

Exemplo 3: Início ou ataque

  • “Que palavra não tem o mesmo início que as outras duas: [bala], [fala], [fada]?”
  • Resposta: [bala]

Exemplo 4: Fonema

  • ‘Por favor, me diga qual palavra é diferente bem no comecinho: [trato], [trapo], [fraco]’
  • Resposta: [fraco]

 

ATIVIDADE 9

Nos quatro últimos exemplos, deliberadamente, tornamos o termo discrepante bem diferente das outras duas palavras. Você pode fazer a tarefa de detecção mais difícil, aumentando a semelhança entre a palavra discrepante e as outras duas palavras. Com o seu parceiro de curso, pense em alguns exemplos em que o discrepante é menos facilmente perceptível. Em cada caso, use os mesmos quatro pares de palavras semelhantes oferecidos nos exemplos. 

 

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4.1.3  Síntese

Nesta tarefa, você pede à criança para colocar as unidades linguísticas junto. Isso é mais difícil, porque envolve não só a memória de trabalho auditiva, mas também a manipulação e habilidades de sequenciamento ou ordenação.

Você pode fazer esse teste disfarçado em um jogo, dizendo que você vai falar um pouco como um robô, e a criança deverá encontrar a palavra inteira.

É importante fazer uma pausa entre cada elemento por cerca de um segundo.

Exemplo 1: Sílabas

  • “Por favor, me dê a palavra inteira quando você juntar te – le – vi – são”
  • Resposta: televisão

Exemplo 2: Início ou ataque e rima

  • “Que palavra você consegue quando junta os sons tr e em?”

(Observe que não é possível você emitir tr sem apoio vocálico: vai apoiá-lo no chuá.)

Resposta: trem

  • Exemplo 3: Fonemas

“Que palavra você consegue quando junta os sons [s] – [a] – [l] – [a]?”’

Resposta: [sala]       

 

4.1.4 Segmentação

Nesta tarefa a criança é convidada a realizar a tarefa oposta à síntese: ele ou ela recebe uma palavra e é convidado (a) a segmentá-la em unidades linguísticas. Estas actividades exigem as mesmas habilidades que as utilizadas na síntese.

A tarefa de segmentação é normalmente introduzida com exemplos para que a criança saiba em que unidades linguísticas as palavras têm de ser segmentadas. Por exemplo, se você quiser que a criança segmente palavras monossilábicas em início ou ataque e rimas, você pode dizer “vamos partir as palavras em duas partes pequenas, como, por exemplo,  “”, que contém as duas partes [fff] e é ‘. Então deixe a criança praticar este tipo de segmentação com um par de outros exemplos para os quais você fornecerá “retorno” corretivo antes de dar os itens do teste. 

 

ATIVIDADE 10

Discuta com o seu parceiro de curso e encontre algumas palavras para os testes, usando sílabas, o início ou ataque, a rima e o fonema, para descobrir se a criança pode segmentar as palavras nessas unidades corretamente.

 

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4.1.5 Supressão

A criança é convidada a apagar uma unidade linguística de uma palavra. Este teste é ainda mais difícil, porque exige um maior grau de abstração das unidades fonológicas: a criança precisa ser capaz de isolar a unidade do resto da palavra, a fim de excluí-la.

Exemplo 1: Sílaba

  • “Por favor, diga [mala], agora diga novamente sem [ma]”.
  • Resposta: [la]

Exemplo 2: Fonema

  • “Por favor, diga [mala]; agora diga essa mesma palavra novamente sem [m]”.
  • Resposta: [ala].

 

 4.1.6 Substituição

A criança é solicitada a substituir uma unidade linguística por outra. Isto é ainda mais difícil, porque a criança tem não só que isolar a unidade alvo, mas também manipulá-la e manter o resto da palavra na memória de curto prazo, a fim de substituir a unidade.

Exemplo 1: Início ou ataque

  • “Ouça isto, [fruto], agora diga-me, por favor, o que acontece se eu substituir [fr] por [br]?”’
  • Resposta: [bruto]
  • (Observe que não é possível você emitir tr sem apoio vocálico: vai apoiá-lo no chuá.)
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Exemplo 2: Fonema

  • “Ouça, a seguir, [mar] e, agora, diga-me, por favor, o que acontece se eu substituir [m] por [l]”
  • Resposta: [lar]

 

4.1.7 Síntese de fonemas

Exemplo: “Junte os dois sons que estão no início destas duas palavras: boné azul.”

Resposta: [ba].

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©Dr. Vincent Goetry e Dyslexia International (Versão Original)

©Dra. Ângela Maria Vieira Pinheiro (Coordenação da tradução e adaptação da VB)