– 4.2 Leitura e ortografia

– 4.2 Leitura e ortografia

4.2 Leitura e ortografia

Crianças com dislexia, muitas vezes, apresentam dificuldades na leitura e/ou na ortografia de tipos específicos de palavras, dependentes de se elas têm problemas para estabelecer o sistema de decodificação ou o sistema de acesso direto, ou ambos. (Você poderá querer revisar estes conceitos na Seção 1, parte 4.2.)

4.2.1 Palavras regulares

Nestas palavras as correspondências entre “letras” (grafemas) e “sons” (fonemas) são previsíveis e inequívocas, por exemplo:

vivi – luva – cara – pata – lã – gata – minha

e assim estas palavras podem ser lidas corretamente pelo sistema de decodificação.

Os leitores iniciantes avançam por três fases: a de segmentação, a de conversão e a de síntese.

Durante o curso do desenvolvimento normal, as palavras são progressivamente armazenadas no léxico ortográfico e, então, poderão ser lidas pelo sistema direto que é mais rápido e mais eficiente que o processo de decodificação.

Em crianças com dislexia, o estabelecimento de decodificação é muitas vezes mais lento e mais trabalhoso em comparação com o de seus colegas sem dislexia. Isso será demostrado pelo fato de eles cometerem mais erros na leitura, mesmo de palavras regulares. A lista a seguir contém exemplos de palavras regulares de acordo com a correspondência grafema-fonema, mas menos comuns:

laje

nave

maço

tapa

vala

apito

fiado

fiapo

viúva

danada

limite

batalha

Fonte: Pinheiro, 2007
4.2.2 Palavras irregulares

Com estas palavras as correspondências entre algumas “letras” (grafemas) e seus correspondentes “sons” (fonemas) não são regulares.

Estas palavras só podem ser lidas corretamente através do sistema de acesso direto (reconhecimento lexical), já que o sistema de decodificação não pode levar à pronúncia correta. Em vez disso, tal sistema leva a “regularizar” os erros, vale dizer, regularizar os erros que consistem em ler as palavras através do sistema de decodificação, como se fossem regulares, conforme exemplificado abaixo. Esses erros são normais nas primeiras etapas de leitura, mas persistem em crianças com dislexia, porque elas acham difícil memorizar ou acessar as representações de unidades irregulares comuns ou de palavras completas. 

“Em português, a grande maioria das palavras irregulares apresenta implicações somente para a escrita, já que sua pronúncia não causa nenhuma ambiguidade (p. ex., onça, higiene, feliz). As exceções, para a leitura, são as palavras com o grafema <x> entre vogais. Nesse contexto o <x> pode valer /ò, z, s/ ou / ks / como em vexame, exame, trouxe e táxi, respectivamente, e essas variações não são controladas por regras. Outra irregularidade: a pronúncia das vogais <o> e <e> em sílabas tônicas (p. ex., soco /’soko/, soca /’s ko /, seca, /’seka/, seca /’seka/[1] – a primeira palavra de cada par é um substantivo e a segunda, um verbo)”. (Pinheiro, 2008).

Com o Novo Acordo Ortográfico, que entrou em vigor, no Brasil em 2009 (Medeiros & Tomasi, 2009), deixaram de ser previsíveis os valores dos grafemas ei e oi em vocábulos paroxítonos e do grafema u, nos grupos gu e qu, seguidos de e ou i. Mesmo assim, continua muito grande a previsibilidade. (Scliar-Cabral, 2012).

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ATIVIDADE 11

Aqui estão dez palavras irregulares. Com o seu parceiro de curso anote exatamente qual(is) a(s) correspondência(s) “letra” (grafema)/ ”som” (fonema) é(são) irregular(es), e como ela(s) poderia(m) ser dita(s) ou escrita(s) através do sistema de decodificação e de codificação. Em outras palavras, quais erros de “regularização” a criança poderá fazer se ler ou ortografar somente através da decodificação e da codificação?

Faça duas listas de observações, uma para leitura e outra para a ortografia.

  • <gota>
  • <pelo>
  • <leia>
  • <ideia>
  • <cinquenta>
  • <linguiça>
  • <máximo>
  • <tóxico>
  • <quis >
  • <fiz>

 

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4.2.3 Pseudopalavras

Estas são palavras “inventadas” que não existem na língua, por exemplo, <cadibo>, <porrelo> e <tranvo>, contudo, podem ser lidas pelo sistema de decodificação através do processo de decodificação “letra” (grafema) – “som” (fonema).  De fato, elas só podem ser lidas por este sistema, porque nunca foram vistas antes e, portanto, não podem ter sido armazenadas no léxico ortográfico.

O bom desempenho na leitura de pseudopalavras mostra que o sistema de decodificação está funcionando bem. Em crianças com problemas de leitura este sistema é geralmente fraco.

Em geral, dois tipos de erro são encontrados:

  • “Lexicalização”: erros que consistem em leitura de pseudopalavras como palavras que existem na língua. Por exemplo: <cadibo > torna-se [cativo]. Isto significa que o sistema de acesso direto está sendo usado em demasia.
  • Erros “fônicos” que consistem em adição, omissão, inversão, ou substituição de “sons” na sequência. Isso mostra que o caminho de decodificação está sendo usado, mas não de forma eficaz e assim a sequência correta de “sons” fica perdida. (seria bom exemplificar)

Abaixo está uma lista de pseudopalavras, extraídas do Guia prático de alfabetização, baseado em Princípios do sistema alfabético do PB de Scliar-Cabral (São Paulo: Contexto, 2003).  Lembre-se de prestar atenção à “lexicalização” e aos erros “fônicos”.

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© Dr. Vincent Goetry e Dyslexia International (Versão Original)

© Dra. Ângela Maria Vieira Pinheiro (Coordenação da tradução e adaptação da VB)


[1] O que se encontra entre barras é uma transcrição fonética da pronúncia das palavras (IPA). Nessa transcrição, diferentemente da escrita ortográfica, a relação entre grafema e fonema é sempre unívoca –  por xemplo, os símbolos /ò/ , /ɔ/ e /e/ correspondem aos grafemas <ch>  <ó> e <é> repectivamente – e a apóstrofe sinaliza a sílaba tônica.